Após a pandemia de Covid-19, o Brasil precisou de importações para se recuperar das vendas de combustíveis, que enfrentou um aumento nos preços com a alta das cotações internacionais do petróleo.
Além disso, o corte de impostos sobre a gasolina derrubou o consumo de etanol em 2022 e a redução na mistura obrigatória de biodiesel no diesel fez as vendas de biodiesel despencarem.
Segundo o ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP), Luiz Augusto Horta, "Andamos para trás. O Brasil passou a importar mais combustíveis e exportar empregos e divisas. Foi uma intervenção atabalhoada, equivocada, que só privilegiou gasolina e diesel."
Segundo dados da agência, o consumo de combustíveis líquidos chegou a 100,8 bilhões de litros nos primeiros dez meses de 2022, batendo recorde histórico.
A alta se deve principalmente ao consumo de diesel, que chegou a 52,9 bilhões de litros nesse período. As vendas de gasolina também subiram, suficientemente para se recuperar das perdas da pandemia.
Porém, no caso do diesel, os recordes não impulsionaram as vendas de biodiesel, visto que o governo continua com a mistura obrigatória em 10% para conter a alta no preço do combustível. Pelo cronograma original, deveria estar em 14%.
Até julho de 2022, os dados da ANP apontaram que o biodiesel havia vendido 3,6 bilhões de litros, representando o menor volume desde 2019, quando a mistura era de 11%.
A concentração de biodiesel no diesel foi reduzida quando o preço do biodiesel subiu. Em novembro, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou que os 10% serão mantidos até março de 2023, para que o novo governo decida pela retomada do cronograma original.
quote"Tem um setor empresarial que atendeu ao pedido do governo por descarbonização, por uma matriz de combustíveis mais verde, mais limpa, mais sustentável e isso foi descartado", diz Daniel Amaral, economista-chefe da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais).
Para ele, já era previsto nos investimentos que a mistura subisse para 20%, logo, o setor trabalha com uma ociosidade de 50%. Hoje o biodiesel tem custo equivalente ao do diesel importado.
A perda de competitividade em relação à gasolina derrubou as vendas do etanol a 12,9 bilhões de litros entre janeiro e outubro. Segundo dados da ANP, esse é o menor valor desde 2017.
O mercado foi ocupado pela gasolina, que teve o melhor volume de vendas desde aquele ano: 34,8 bilhões de litros.
Considerando o produto vendido nos postos e os volumes misturados à gasolina, o etanol representou 47,5% dos combustíveis consumidos por veículos leves no país, até julho. Nos quatro anos anteriores, o volume de etanol foi superior ao de gasolina.
A Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) diz que, além da perda de competitividade no segundo semestre, a quebra de safra em 2021 também prejudicou as vendas no início do ano, quando os preços do etanol escalaram.
A entidade afirma que a produção está se acelerando com o fim de ano, quando o produto já não é mais tão competitivo devido aos cortes de impostos da gasolina.
A substituição dos renováveis por combustíveis fósseis tem implicações no mercado brasileiro. Com menos biodiesel e aumento das vendas, as importações de diesel dispararam no primeiro semestre, chegando a 7 bilhões de litros, alta de 31% em relação a 2019.
Assim, diz a Unica que o setor público "precisa garantir um arcabouço legal e regulatório que reconheça os benefícios das energias renováveis e ofereça estabilidade e previsibilidade para investimentos."
O coordenador da área energética da equipe de transição, Maurício Tolmasquim, diz que ainda não há definições sobre o tema, mas que a ideia é estimular o consumo de combustíveis renováveis:
quote"O Brasil está se posicionando fortemente na questão da transição energética e, sem dúvida, os biocombustíveis fazem parte dessa transição. Então a ideia é estimular, mas tem a questão dos preços, então temos que ver melhor a situação."
Ele elogia a decisão de prorrogar o prazo para avaliar a mistura de biodiesel: "Como existe uma polêmica entre o setor de transportes e o biodiesel, é prudente que o novo governo tenha prazo para tomar pé da situação."
Henrique Jager, do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), diz que o cenário reflete uma série de políticas equivocadas. “De um lado, a falta de um programa robusto de alteração na matriz de transporte do país, dominada pelo transporte rodoviário", afirma.
De outro, continua o "quase abandono" do programa de biodiesel no Brasil, a falta de uma política de estoques mínimos de etanol para reduzir volatilidades, os subsídios aos combustíveis fósseis e a falta de incentivo da frota movida a eletricidade.
Fonte: Folha de S.Paulo
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